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Min. Gilmar Mendes defende equilíbrio entre liberalismo econômico e desenvolvimento sustentável em congresso
Min. Gilmar Mendes defende equilíbrio entre liberalismo econômico e desenvolvimento sustentável em congresso
5 maio, 2025

Autor: por Mauro Camargo

Min. Gilmar Mendes defende equilíbrio entre liberalismo econômico e desenvolvimento sustentável em congresso

Em Santos, ministro decano do STF destacou o papel da Corte na proteção ambiental e na segurança jurídica para o setor, conclamando por uma sociedade próspera, justa e ambientalmente correta, onde tecnologia e justiça social moldem o futuro.

ECONOMIA E MEIO AMBIENTE

O ministro decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, proferiu a palestra magna na abertura do Congresso Nacional Portuário em Santos-SP, na noite desta quinta-feira, 5. Discorrendo sobre a intrincada relação entre liberalismo econômico e desenvolvimento sustentável, o ministro abordou os desafios e as oportunidades para a modernização do setor portuário, enfatizando a necessidade de alinhá-lo às imperativas demandas ambientais e às transformações globais contemporâneas, com um olhar para o ano de 2025 e além.

Mendes ressaltou a crucialidade de se construir um arcabouço jurídico que simultaneamente fomente a livre iniciativa e garanta a proteção socioambiental. Ao longo de sua explanação, delineou a trajetória da legislação e da jurisprudência brasileiras, ilustrando como o STF tem atuado como um catalisador na busca por um equilíbrio que permita o progresso econômico sem negligenciar a responsabilidade para com as presentes e futuras gerações, vislumbrando um futuro em que a tecnologia e a justiça social caminhem lado a lado, moldando não apenas a legislação, mas a própria essência da sociedade brasileira.

É com grande alegria que me dirijo aos senhores, nesta ocasião, para debater desafios e oportunidades que se colocam para modernização e gestão eficiente, neste caso, do setor portuário, alinhado às necessidades ambientais, ao desenvolvimento econômico e às transformações globais em 2025, declarou.

O decano sublinhou a magnitude do setor para o país, afirmando que "os portos brasileiros são responsáveis por 95% do nosso comércio internacional e continuam em plena expansão na movimentação de produtos que abastecem o país e boa parte do mundo."

Citou dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) que indicam um crescimento expressivo: Segundo a ANTAQ, no primeiro semestre do ano passado, o modal portuário registrou crescimento de 4,28%. O melhor resultado desde 2010, movimentando 144,76 milhões de toneladas de carga.

Mendes relembrou o período das primeiras privatizações no Brasil, contextualizando as dificuldades enfrentadas. "Quando eu cheguei aqui e vi esses protestos (estivadores realizaram uma manifestação contra eventuais mudanças na legislação), eu até tive lembranças do meu tempo de governo Fernando Henrique Cardoso", disse, referindo-se aos esforços iniciais de desestatização. "Todos sabem que a Constituição de 88, alguns já disseram, ela tem um problema: que ela é de 88. Se ela tivesse sido de 89, muito provavelmente, ela já teria sido inspirada num ambiente mais liberal, porque, como sabem, em 89 cai o Muro de Berlim, e muitas das ideias de forte estatização também ruem naquele momento."

Detalhou as resistências encontradas: Cada vez que se tomava qualquer iniciativa nesse sentido, ou se avançava nesse sentido, nós tínhamos uma enorme barreira. Ações impeditivas, ações populares, protestos, tinha que se dar segurança à própria bolsa de valores." Contrastando com o passado, observou sobre os protestos atuais: "diante desse protesto, aqui mais ou menos tímido, a gente está vivendo um outro momento, talvez já de uma outra concepção.

O ministro enfatizou a base constitucional para o desenvolvimento econômico. É fundamental que nós saibamos que o desenvolvimento econômico é mandamento. Não surge como um mero objetivo político-ideológico, mas antes como uma das fundamentais determinações do programa econômico da Constituição de 88. Ele citou diretamente o texto magno: "A esse respeito, o texto constitucional, logo em seu artigo terceiro, enuncia como objetivos fundamentais da República, a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais."

Mendes argumentou sobre o papel do Estado e da iniciativa privada. Tudo isso está a demonstrar, que o imperativo do desenvolvimento econômico se constitui como uma das principais diretrizes da ordem econômica da Constituição de 1988. Mais do que isso, o texto constitucional é expresso ao vincular a superação das desigualdades sociais, ao desenvolvimento nacional. E isto parece algo elementar. O Estado, em si mesmo, sabemos todos, não produz riqueza. A atividade econômica vem da iniciativa privada. O Estado tem acesso aos recursos via tributos. Esse é o modelo que a Constituição consagra. É preciso que nós tenhamos essa concepção e possamos melhorar o ambiente de negócios para que nós tenhamos verdadeiro progresso.

A transição para a sustentabilidade foi marcada pela crítica a uma visão puramente extrativista. Não há lugar para consideração apenas parcial dos efeitos das atividades humanas, enfatizando os efeitos positivos dessa subordinação da natureza e relegando a segundo plano suas repercussões deletérias, como desmatamento, a poluição e o consumo inconsequente de recursos naturais. É cada vez mais inconteste, a certeza de que a busca pelo progresso das sociedades humanas deve se dar com responsabilidade ambiental. O desenvolvimento há de ser sustentável, garantindo condições de vida também às gerações futuras.

A atuação do Supremo Tribunal Federal na seara ambiental foi detalhada com diversos exemplos, como as ações relativas ao Fundo Nacional sobre Mudança do Clima e ao Fundo Amazônia, as ADPFs 747, 748 e 749, que trataram da revogação de resoluções do CONAMA sobre irrigação, áreas de preservação permanente e proteção de manguezais e restingas, o Marco Legal do Saneamento Básico, o julgamento do Código Florestal em 2018 e no contexto dos incêndios na Amazônia e Pantanal, o STF, por meio das ADPFs 743, 746 e 857, determinou à União que apresentasse um plano de prevenção e combate a tais incêndios, com monitoramento, metas e estatísticas.

Citando especificamente ao setor portuário, o ministro Gilmar Mendes salientou a necessidade de segurança jurídica. Trata-se de um setor que demanda grandes investimentos, mas cujo retorno não costuma ocorrer a curto prazo. Às vezes, são retornos que levam décadas. Nesse cenário, é de fundamental importância, como já se falou aqui, garantir segurança jurídica aos atores que movimentam o setor e tanto contribuem para a economia nacional e global." Ele citou o julgamento da ADIN 3497, na qual "o Supremo decidiu que o prazo máximo para concessão de portos secos é de 25 anos, e sua eventual prorrogação é de 10 anos.

A modulação dos efeitos dessa decisão foi justificada para evitar a interrupção imediata da operação em alguns ou de vários portos secos, causando assim prejuízo social e econômico inestimáveis.

Outro tema pendente na Corte, a ADIN 7591, que trata dos parâmetros para contratação de trabalhadores portuários avulsos, foi mencionada como uma análise que certamente demandará que o tribunal pondere, com a devida prudência, todas as circunstâncias postas em jogo com os princípios laborais do desenvolvimento sustentável.

Os julgamentos aqui trazidos revelam uma evolução na jurisprudência do Supremo rumo ao reconhecimento de que nós integramos uma economia liberal, onde a abertura econômica coexiste com sólidas estruturas de proteção socioambiental. Ao rejeitar leituras radicais de livre mercado, o tribunal fortalece a noção de que desenvolvimento verdadeiramente sustentável exige equilíbrio entre eficiência produtiva, equidade distributiva e resiliência ecológica, defendeu.

Ao concluir, o ministro projetou um futuro em que esses valores se consolidem. É com esse olhar voltado para o futuro, mas preocupado com cada um de nós, é que encerro a minha fala. Setores como os de energia, de transporte, de gestão de resíduos são facilmente lembrados sob a ótica do avanço sustentável, mas as alternativas não se encerram aí. Tenho certeza de que este evento nos ajudará a iluminar muitos dos desafios que envolvem o setor portuário, que devemos empreender e aprofundar nos anos vindouros, erigindo uma sociedade que seja economicamente próspera, socialmente justa e ambientalmente sustentável. Trata-se de uma questão de impacto civilizatório, salientou.

O Congresso Nacional Portuário é uma realização da Autoridade Portuária de Santos em parceria com a Academia Brasileira de Formação e Pesquisa (ABFP). O objetivo do evento é fomentar o exame de temas atuais do setor portuário, destacando os impactos tecnológicos na gestão das operações, as novas propostas legislativas para o setor e os impactos socioambientais das operações portuárias. Através das discussões, a expectativa é que soluções sejam apresentadas, com vistas à expansão da capacidade operacional dos portos e à superação dos obstáculos presentes em razão do modelo regulatório vigente no Brasil e das práticas de gestão obsoletas.